Nem toda escolha é livre: como o ambiente interfere na alimentação
Durante muito tempo ouvimos que comer bem é apenas uma questão de força de vontade. Que basta querer. Que quem não consegue seguir uma alimentação saudável é porque não se dedica o suficiente. Mas será mesmo que todas as pessoas partem do mesmo lugar quando vão escolher o que comer?
A verdade é que muitas decisões alimentares que parecem simples são, na realidade, atravessadas por fatores que nem sempre conseguimos controlar. A rotina, a renda, o tempo disponível, a oferta de alimentos na região, a publicidade, a cultura alimentar da família, tudo isso forma o que chamamos de ambiente alimentar. E esse ambiente, por mais sutil que pareça, molda o que comemos diariamente.
Quando pensamos na alimentação como um ato individual, corremos o risco de esquecer que muitas pessoas vivem em contextos que dificultam as escolhas saudáveis. Nem todos têm acesso a alimentos frescos e variados. Nem todos conseguem cozinhar todos os dias. Nem todos tiveram, ao longo da vida, oportunidades de aprender sobre alimentação. E tudo isso importa muito mais do que imaginamos.
Hoje vivemos em um ambiente que estimula o consumo de alimentos ultraprocessados. Eles estão nas prateleiras do mercado, nos comerciais de televisão, nos aplicativos de entrega. São rápidos, acessíveis, pensados para agradar ao paladar e, muitas vezes, mais baratos do que uma refeição caseira com alimentos in natura. E não há nada de errado em consumi-los de vez em quando. O problema é quando eles se tornam a única opção viável.
Enquanto isso, as escolhas que envolvem mais tempo, preparo ou recursos acabam se tornando menos acessíveis. Um prato colorido e equilibrado muitas vezes exige planejamento, organização e, principalmente, um ambiente que o favoreça. E esse ambiente ainda está longe de ser realidade para a maioria das pessoas.
Por isso é tão importante olharmos para a alimentação com mais empatia e menos julgamento. Entender que nem toda escolha é realmente livre é um passo essencial para oferecer cuidado. Quando um paciente chega ao consultório dizendo que não consegue manter hábitos saudáveis, o papel do nutricionista não é apenas propor mudanças. É escutar, entender o contexto, adaptar orientações e acolher cada história com respeito.
Também é fundamental que a nutrição reconheça seu papel na construção de um ambiente mais justo. Isso significa apoiar políticas públicas que garantam acesso a alimentos saudáveis, defender cozinhas escolares e feiras livres, valorizar a cultura alimentar local e repensar a forma como falamos sobre saúde e corpo nas redes sociais e nos meios de comunicação.
Escolher o que comer não é um ato isolado. É um processo influenciado por tudo o que nos cerca. Quando reconhecemos isso, deixamos de ver a alimentação como um campo de culpa e passamos a tratá-la como um espaço de cuidado, de escuta e de construção conjunta.
Aos poucos, com consciência, gentileza e políticas que favoreçam escolhas mais justas, podemos transformar o ambiente alimentar. E, assim, apoiar cada pessoa a encontrar seu próprio caminho em direção ao bem-estar, respeitando suas possibilidades, seus desejos e sua realidade.
Referências:
MONTEIRO, Carlos Augusto et al. A nova classificação dos alimentos baseada na extensão e propósito do processamento. Cadernos de Saúde Pública, v. 26, n. 11, p. 2039–2049, 2010.
CANELLA, Daniela Silva et al. Ambiente alimentar e obesidade: uma revisão sistemática. Revista Brasileira de Epidemiologia, v. 16, n. 3, p. 676–688, 2013.
FREIRE, Patrícia. Determinantes sociais da alimentação: construindo uma abordagem ampliada. In: PHILIPPI, Sonia Tucunduva (Org.). Nutrição e saúde pública. São Paulo: Manole, 2013. p. 81–95.